
Uma descoberta publicada na revista Nature colocou em xeque um dos pilares da física. Cientistas conseguiram provocar o superaquecimento do ouro, levando-o a temperaturas extremas sem que o metal perdesse sua estrutura sólida.
Trata-se de um feito que desafia a chamada “Catástrofe da Entropia”, teoria aceita como limite termodinâmico há mais de quatro décadas.
O estudo foi conduzido por Bob Nagler, do Departamento de Energia dos EUA no SLAC National Accelerator Laboratory, em parceria com Tom White, professor associado da Universidade de Nevada. Além disso, contou com pesquisadores de diversas instituições internacionais, como European XFEL, além das Universidades do Queen’s, Columbia, Princeton, Oxford, Califórnia e Warwick.
Teoria derrubada? Entenda o que é a “Catástrofe da Entropia”
Desde os anos 1980, modelos teóricos sustentam que ao elevar a temperatura de um sólido, as vibrações atômicas se tornariam tão intensas que sua estrutura entraria em colapso, levando inevitavelmente à fusão. Esse fenômeno foi descrito como Catástrofe da Entropia, uma espécie de limite termodinâmico que estabelecia o ponto máximo em que um material poderia permanecer sólido.
Para desafiar esse limite, os físicos usaram lasers ultrarrápidos que aqueceram finíssimas camadas de ouro em trilionésimos de segundo. Essa velocidade fez com que os elétrons absorvessem energia antes que a rede cristalina tivesse tempo de se desorganizar.
Logo depois, feixes de raios-X de altíssima intensidade registraram o comportamento atômico do material, comprovando que o ouro estava superaquecido, mas ainda sólido.
O ouro, cujo ponto de fusão convencional é de 1.064 °C, foi levado a temperaturas até 19 mil Kelvin (cerca de 18.700 °C), ou seja, mais de 14 vezes acima do limite previsto pela física clássica. Modelos anteriores estimavam que um sólido não poderia permanecer estável em temperaturas três vezes maiores que seu ponto de fusão.
Por que o ouro superaquecido permaneceu sólido?
O diferencial foi a rapidez. O aquecimento ultrarrápido não deu tempo para que os átomos se reorganizassem em estado líquido. A energia foi depositada tão velozmente que a estrutura cristalina ficou “congelada” em seu lugar, criando um estado sólido extremo por alguns trilionésimos de segundo – tempo suficiente para desafiar a teoria estabelecida.
Os físicos utilizaram raios-x ultrabrilhantes para medir a vibração dos átomos logo após o disparo do laser. Essa técnica de precisão atômica permitiu acompanhar o comportamento do ouro em condições que antes eram consideradas inatingíveis.
Limites teóricos da física devem ser repensados
A observação contradiz a previsão da Catástrofe da Entropia e mostra que os modelos sobre estabilidade da matéria em condições extremas precisam ser revisados.
Em nota, Tom White, professor associado de física na Universidade de Nevada e um dos autores do estudo, afirma que os resultados não violam as leis da termodinâmica, mas revelam que, quando o processo é rápido o suficiente, a física clássica não consegue acompanhar a velocidade da mudança.
A pesquisa abre caminho para avanços em áreas como a fusão nuclear, a modelagem dos interiores planetários e o estudo da matéria densa quente, encontrada em estrelas e planetas gigantes. Também pode ajudar a compreender fenômenos de impacto extremo, como colisões de asteroides ou falhas em reatores nucleares.
Outros materiais também podem exibir comportamento semelhante?
Os cientistas acreditam que sim. A expectativa é que outros metais e compostos submetidos a esses experimentos extremos possam revelar propriedades inesperadas, obrigando a ciência a atualizar os gráficos e modelos que descrevem como a matéria se comporta no domínio da natureza mais energética e inexplorada.
Para Bob Nagler, do SLAC, este é apenas o começo: “se nosso primeiro experimento usando essa técnica já desafiou a ciência estabelecida, mal posso esperar para ver que outras descobertas nos aguardam”.
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